segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

TERRA DE MEMÓRIAS


Daniel Vilar
Nos períodos de regresso à terra, habitualmente no Verão ou pelas festas de Natal e Ano Novo, a população das nossas aldeias aumenta consideravelmente.Casas vazias iluminam-se, chaminés há muito sem uso fumegam, as ruas enchem-se de carros, as igrejas de pessoas, encontram-se pessoas há muito ausentes, constatam-se cabelos brancos, rugas e calvas, dá-se de caras com homens que conhecemos crianças e recordam-se episódios vividos há muito. 


O norte de Portugal, e especialmente Trás-os-Montes, é certamente terra de memórias, como se cada um que parte levasse um bocado de terra agarrada aos pés e devesse vir aqui devolvê-la. E, nas contas do progresso e da estagnação, quantas vezes nos temos lembrado de que seria suave aqui o decorrer dos últimos anos, depois de termos espalhado pelo mundo esperanças e trabalhos, sucessos e fracassos, mas também filhos ou netos. 

Não fora o que falta para isso, uma garantia de assistência médica digna desse nome, condições de habitação melhoradas com as possibilidades hoje existentes, comunicações eficientes e serviços adequados a quem deles precisa. Sim, com condições, é provável que muitos reformados transmontanos regressassem, trocando os lares anónimos das cidades superlotadas pelo convívio manso com os conterrâneos.

É hoje evidente que as populações idosas representam um potencial de crescimento importante para o país. As suas experiências podem valorizar o interior, as suas pensões podem sustentar a actividade local, as suas necessidades de bens e serviços podem dinamizar empresas ou organizações de serviços ao domicílio. Infelizmente, porém, a ideia que fica das últimas reformas da saúde, é que o governo decidiu retirar serviços importantes dos concelhos, provavelmente por boas razões de gestão, mas que provocam um sentimento crescente de abandono e contribuem para o círculo vicioso da desertificação humana. A questão que se coloca às populações mais frágeis é se o sistema responde eficazmente a uma urgência, se uma paragem cardiaca ou uma queda infeliz não conduzem a uma morte inevitável por uma questão de tempo e de distância.

Por Fernando Gouveia in "Diário Trás-os-Montes"

Sem comentários:

Enviar um comentário