domingo, 10 de junho de 2012

Capitão Portugal, um herói nacional Por Fernando Alvim

Só um herói pode voltar a colocar Portugal no caminho dos dias de glória. Por isso, o ilustrador luso-americano Nelson Ribeiro, editor da Marvel, onde nasceram tantos heróis, criou o musculado Capitão Portugal, para combater o desânimo e a crise. E Fernando Alvim escreveu a história deste superportuguês que se revela quando mais precisamos dele. Ou seja... agora!Em 1977, no mesmo dia em que o FMI entrava pela primeira vez no nosso país, nascia também um bebé especial, filho de uma família média portuguesa, num qualquer lugar médio português. Um pequeno ser lusíada que, desde logo, demonstrara capacidades muito especiais e que, em 1983, aquando da segunda entrada do FMI no lado de cá da Península Ibérica, com apenas seis anos, viu confirmadas as suspeitas que se erigiram à sua volta: estávamos, potencialmente, perante um superportuguês.Nos anos seguintes, este português, com potencial para ser o primeiro superportuguês desde 1143, não viu todavia os seus superpoderes estimulados e, assim, parecia - um pouco como Emílio Peixe - estar a passar ao lado de uma grande carreira. O ponto de viragem dá-se em 2011, quando, pela terceira vez, Portugal apela à ajuda financeira externa e o FMI ordena que uns homens de fato, com apelidos nórdicos, aterrem na Portela. O superportuguês, que muitos pensavam ser o Emílio Peixe dos super-heróis, acorda. E acorda revoltado. Os seus superpoderes pareciam mais fortes do que nunca. Como se Emílio Peixe fosse agora Luís Figo, como se o professor Neca fosse agora José Mourinho, como se Pedro Lamy fosse agora Nigel Mansell. Estaria o potencial finalmente confirmado?O superportuguês tinha hoje uma missão e, enfim, os poderes suficientemente desenvolvidos para a levar a cabo. Muniu-se de um fato e, claro, de um alter ego. Nascia o Capitão Portugal. A missão: reunir em si mesmo os poderes que, século após século, levaram longe o nome do nosso país. E, com esses poderes multiplicados por mil, fazer frente ao grande inimigo atual do povo lusitano: a economia, os mercados, as taxas de juro, as agências de rating e, numa escala menor, árbitros; em resumo, tudo o que, de alguma forma, diga respeito a formas sensatas de aplicação de capital e a futebol. O Capitão Portugal sabe que não foi a saber gastar o seu dinheiro, ou a perceber a posição dos árbitros, que Portugal se tornou Portugal. Não é possível trair, assim do pé para a mão, as bases que sustentam todo um povo. Nós não sabemos gastar dinheiro, temos de lutar com outras armas. Para salvar Portugal, temos de ser Portugal, um super-Portugal. O Capitão sabe disso. Não é sendo uma Alemanha ou uma Finlândia que salvaremos Portugal. É sendo cada vez mais Portugal.Entremos então na vasta gama de superpoderes que acompanham o Capitão Portugal. Poderes esses que, em larga medida, nos ajudarão a suplantar este momento complicado, dando um soco nas fuças da crise económica e dos seus aliados. O primeiro a destacar-se, porque será dos mais recentes, é o chamado «poder Relvas». O Capitão Portugal desenvolveu a capacidade de conhecer pormenores da vida privada de outras pessoas e, assim, usar essa informação para conseguir o que quer. O Capitão Portugal sabe pormenores da vida privada de pessoas muito influentes no FMI. O Capitão Portugal sabe que Christine Lagarde usa sempre o travão de mão para fazer o ponto de embraiagem. O Capitão Portugal não tem qualquer pejo em instrumentalizar essas informações, chantageando Lagarde e, dessa forma, baixar as taxas de juro que nos cobram. O Capitão Portugal é implacável, não olha a meios para atingir os seus fins e, às tantas, ainda consegue que o dinheiro que o FMI nos empresta obedeça à mesma taxa de juro que o dinheiro que nos empresta um cunhado.O Capitão Portugal faz então do conhecimento, um conhecimento muito específico e poderoso, uma das suas grandes mais-valias. E o Capitão, como qualquer super-herói, está sempre do lado do povo. Ele sabe, por exemplo, em que estabelecimentos o produto é mais barato se não quisermos fatura. O Capitão Portugal sabe que a fatura é um dos grandes inimigos do povo, o Capitão Portugal sabe que um arroz de polvo que seja 23 por cento mais barato sabe muito melhor. E o prato vem mais cheio. Só alimentados e satisfeitos poderemos lutar. O Capitão Portugal tem o poder de driblar o IVA como só o Ronaldo dribla os «com quem é que estiveste hoje?» de Irina. Não seria Capitão, nem Portugal, se o não tivesse.É certo que, bem alimentados, custa-nos mais regressar ao trabalho após o almoço. O Capitão Portugal sabe disso e, através de outro dos seus superpoderes, ajuda-nos a recuperar o tempo perdido. A forma mais eficaz é acelerando os discursos e declarações públicas do ministro das Finanças, Vítor Gaspar. O Capitão, claro, tem essa faculdade. Assim que Vítor Gaspar fala em público, nem que seja para dizer «com licença» a um jornalista, esse instante é acelerado e, desse modo, o país tem tempo de sobra para se dedicar a outras tarefas. Tempo é dinheiro, lá diz o adágio, e o Capitão Portugal sabe ser o Mal que, na sua mais fina ironia, nos coloca perante um ministro das Finanças que demora tanto.O Capitão Portugal tem também um vasto conhecimento científico, embora bastante direcionado. Está, neste preciso momento, a desenvolver laboratorialmente uma espécie de bacalhau que habite as nossas águas. É uma espécie de bacalhau que virá já sem cabeça, aberto longitudinalmente, e salgado, o que nos poupa, mais uma vez, bastante tempo a todos. Além de nos libertarmos do jugo norueguês, o Capitão Portugal prepara ainda a vingança. Nesse mesmo laboratório, o Capitão Portugal está a desenvolver uma versão do fårikål, o prato nacional da Noruega. Será uma versão mais saborosa e, para viciar mesmo os noruegueses, terá uma pitada de nicotina ou, eventualmente, heroína. A vingança serve-se fria e a balança comercial portuguesa agradecerá de joelhos.O Capitão tem muitos outros poderes, que, por razões de economia de espaço, não poderemos aqui abordar. Coisas como tornar as finanças na Holanda tão burocráticas e chatas que o Pingo Doce será obrigado a regressar ao nosso sistema fiscal, de tão desesperado e enervado que estará. Ou a sua visão, que vem equipada com um raio laser, mas que serve apenas para importunar os jogadores das equipas adversárias, quando estão para marcar uma bola parada. Há ainda o seu poder de cupido, que, mais dia menos dia, fará que Merkel se apaixone por um membro do governo português que esteja solteiro. Sim, porque o Capitão Portugal respeita a santidade do casamento e só colocará no coração de Merkel um político português que seja descomprometido. Em suma, trata-se de um superportuguês, sim, mas que tem sempre super-Portugal como objectivo. De resto, e de modo algo paradoxal, muitos analistas defendem que o maior superpoder do Capitão Portugal acaba por ser uma negação direta daquilo que é ser português: o Capitão, como todos os portugueses, diz mal do Cavaco, mas, ao contrário de todos os portugueses, tem também a capacidade de não votar no Cavaco.

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