Ontem estava triste, com frio e sem
esperança. Hoje estou feliz.
Emigrei para França com 350,00 euros
no bolso. Fui à procura de trabalho nos arredores de Paris. Um garrafa de água
custava num café dois euros, um café dois euros e um quilo de maçãs custava
quatro euros. Os primeiros dias dormi num contentor que um amigo me
disponibilizou. Não conhecia ninguém, não falava francês e não tinha trabalho.
Chorava todos os dias, pensando na minha família e pedia de joelhos, a Deus,
que me desse força para não desistir. Só queria um emprego para ganhar dinheiro
para a família. Sonhava construir uma casinha na minha aldeia. Sonhava compor a
casinha dos meus pais. Sonhava regressar um dia para acabar os dias na minha
aldeia.
Um dia consegui um trabalho por
apenas uns dias num armazém, a acartar ferro. Trabalhei tanto que me deram um
contrato. Trabalhei tanto que cheguei a chefe de secção. Trabalhei tanto que
fui nomeado diretor de produção. Trabalhei tanto que me convidaram para gerir
uma nova fábrica num outro local da Europa. Criei família. Construí duas casas,
uma aqui outra lá outra na aldeia. Os meus filhos formaram-se. Os meus pais
partiram. Mas os meus sonhos ficaram.
Passados 35 anos regressei ao lugar
onde nasci. A aldeia parecia não ter mudado. Estava apenas sem gente, ou
melhor, com pouca gente. Não havia crianças quando cheguei. E os idosos estavam
cada vez mais isolados. Tinham fechado a escola e o centro de saúde. Já não
existia banda de música. Já ninguém parecia acreditar no futuro da aldeia.
Mas regressei e tal como dobrei o
ferro com as mãos que Deus me deu, assim decidi mudar o futuro da minha aldeia.
A escola é hoje um Centro Juvenil e Centro de Dia, onde os idosos convivem, vêm
televisão e jogam às cartas. Fazem ainda teatro e escrevem livros sobre a
história das suas vidas. O Centro de Saúde está vivo, pois desafiei um grupo de
médicos reformados para criarmos ali uma oficina de saúde, onde em dias
distintos cada médico ali vai consultar gratuitamente todas as pessoas da
aldeia. Até psicólogos ali vão. Criamos uma nova banda de musica, com as
crianças da nossa aldeia e das duas aldeias vizinhas. Reavivamos todas as
festas da aldeia.
Mas pensei, se a aldeia vive da
agricultura temos de criar condições para trazer mais gente. A maior parte das
pessoas produziam azeite ou criavam vacas. Criamos uma marca para o azeite e
uma outra para as carnes. Todos produziam para embalar e engarrafar com aquela
marca. Criamos uma loja on-line e vendíamos para todo o país. Tudo era
biológico e sem custos de distribuição. Criamos uma bolsa em que a nossa
Associação pagava a escola, o lar e o IRS de quem trabalhasse na agricultura da
terra. De cinco em cinco anos a nossa Associação fazia uma vistoria às casas de
quem trabalhasse na agricultura e realizava obras. Oferecíamos ainda a casa a
quem tivesse menos de 30 anos e quisesse regressar à aldeia para trabalhar na
área agrícola.
A aldeia, quase moribunda, passou de
150 pessoas para 600 em apenas dez anos. A aldeia está viva. A aldeia voltou a
ser o orgulho de todos nós. Aqui todos trabalham, aqui todos sabem a realidade
da nossa vida, aqui sabemos que a vida compensa as rugas que o trabalho
oferece. Aqui é possível ter esperança num futuro melhor.
Aqui sinto que vale a pena viver.
Bem, vamos ao tacho que o porco já
cheira!
Autor da crónica: Paulo Costa
Uma bela lição esta história da vida. Para além da qualidade da narrativa que nos vai colando cada vez mais ao texto, deixa-nos de forma indelevel a mensagem de que com motivação, vontade de fazer e altruísmo se pode mudar alguma coisa. Belo.
ResponderEliminarSerá uma aldeia de sucesso ,ou ficticia.
ResponderEliminarHoje as aldeias transmontanas estão a definhar,ou a morrer aos poucos . Pois cada dia que passa são menos os habitantes
Ao término dessa belíssima leitura, sinto-me comovida, e as lágrimas vieram-me aos olhos.
ResponderEliminarA qualidade de vida e a alegria de viver encontram-se nas aldeias.
A paz, a união, a comunhão, a abundância de trabalho são elementos existentes numa aldeia, seja ela de qual tamanho for, não faz diferença.
A diferença está na boa vontade, e disposição para despertar esse gigante adormecido.
A origem é o início de tudo.
Muitos parabéns ao Paulo Costa.
Um grande e forte abraço ao estimado amigo Antonio Barroso.
Parabenizo também ao brilhante fotógrafo Fernando Peneiras.
Meus melhores cumprimentos à todos.